Páginas

sábado, 4 de junho de 2011

A REVOLTA DOS BICHOS

Série : De certa feita...Autor: Wandemberg Nascimento Camara (foto ao lado de Celso Valentim)
Embora obra de ficção, qualquer semelhança com bichos, fatos e pessoas é mera coincidência, mas só até certo ponto.

De certa feita, à sombra da madrugada, bichos se reuniram em assembléia em uma área deserta da periferia. No final do conclave ficou deliberado que - Uma grande marcha pelas principais ruas do município , indo ter ao paço da prefeitura, - haveria de colocar as coisas no seu devido lugar e demonstrar a toda a população, fosse lá de que gênero fosse, a inferioridade da política adotada ultimamente.
Já há algum tempo um clamor animal contra o executivo municipal tomava forma em todos os recantos da cidade. Tal “estado de coisa” bem que poderia ser evitado se a prefeitura não passasse a cobrar IPTU; taxa de iluminação pública; taxa de lixo; para casinhas de cachorro, galinheiros e chiqueiros. Contra a governância pesava ainda o agravante de cães sem dono, famintos e totalmente desasistidos, perambularem pelas ruas sem que o Centro de Zoonose tomasse qualquer medida. Urgia uma atitude!
No dia e hora marcados, de quase todas as residências do município, bichos pulavam cercas e muros aliando-se ordenadamente na verdadeira procissão formada em cada rua, desembocando posteriormente nas principais estradas e avenidas e ganhando formas imensuráveis em direção à prefeitura. Eram aos milhares! Havia, inclusive, uns poucos homens solidários, quase todos ateus (nenhum, entretanto, da Sociedade Protetora dos Animais, tampouco religioso!).
Uma vez no pátio da Prefeitura, o interlocutor de campanha, um papagaio falante, provocantemente, arrancava dos manifestantes palavras de ordem, onde bichos eram enaltecidos e o governo depreciado. Líderes de várias regiões se expressaram, até que o momento mais aguardado teve anúncio na voz, embargada pela emoção, do tal papagaio que não se fez de rogado em esgoelar-se de forma teatral, abusando dos “esses” e “erres” para anunciar o discurso do grande líder daquele movimento. Foi pena verde, amarela, azul, pra todo lado.
-Curupaco! Curupaco! Curupaco! Falou no meio das penas esvoaçantes, a ave locutora. Senhorrrresssss bichossssss revolucionárrrrriosssss do nosso mui amado município, com a palavrrrrrrra o grande líder Snoopy!
Um momento de histerismo se apossou da turba irada, levando-os ao delírio, num coro heterogêneo de latidos, miados, mugidos, grunhidos, gorjeios, sibilos, rinchos, grasnos, pios e outras formas de animais se expressarem.
Com a altivez de um herói, Snoopy se apresentou de forma apoteótica, surgindo em meio a uma cortina de fumaça colorida e um jato de papéis picado em matizes d’ouradas. Trazia no topo da cabeça erguida, orgulhosamente, a boina tipo “Che Guevara”, que lhe caía tão bem, tendo, ainda, a completar-lhe a indumentária uma túnica militar em verde profundo, onde em cada dragona franjada com esmero luziam dezenas de estrelas em metal dourado, para registrar não se sabe ao certo qual patente. A refulgir-lhe ao peito projetado para frente e para o alto, o brilho de medalhas muito bem polidas que, dado a grande quantidade, não dava para contar, tampouco dizer do mérito representado por cada qual.
Tão logo a platéia fez silêncio o cão iniciou sua fala.
-Senhores quadrúpedes, bípedes, ovíparos, mamíferos, canídeos, felídeos, répteis, batráquios e outros..., ao contrário do esperado, não vamos falar das nossas diferenças com o governo no que tange aos malgrados carnês de IPTU. De nada adiantaria, posto que somos considerados irracionais, e, os homens em sua arrogância, ainda não estão preparados para entender-nos, porque não entendem a natureza! Não entendem sequer aos próprios homens. Assim sendo, como poderiam perceber o sofrimento de cães, gatos e demais animais atirados às hordas da mendicância se, ainda , muitas criaturas do gênero humano disputam com eles as “benesses” das latas de lixo na busca do sacratíssimo resto de comida que irá lhes saciar?
O que esperar de governos que desviam verbas públicas de hospitais, postos de saúde e até da Previdência municipal, condenando ao sofrimento seus próprios irmãos humanos? Nem os animais selvagens que, vivem nas florestas inóspitas e, só matam para comer, cometeriam tão hediondo crime.
-O discurso mal começava a ganhar força, quando vândalos vindo de favelas de outro município, em ônibus especiais alugado pelo próprio prefeito, começaram a dispersar a turma na base da cacetada.
A bicharada “meteu o pé”, ou melhor, a “pata” na estrada. Foi parar bicho, até no cemitério ao lado!
Meses depois SNOOPY apareceu, pela primeira vez, após os lamentáveis acontecimentos do fatídico “DIA DA GRANDE MARCHA”. Ainda enfaixado com gaze pra todo lado, escorado em um par de muletas, e com dificuldade para falar dado aos pontos que levara na boca, soletrou breve depoimento à imprensa alternativa.
-En-tra-tra-mos na por-ra-da, disse.










Escrito com inspiração na gafe cometida pelo governo passado do município de Nova Iguaçu, quando foi enviado para residências carnês cobrando IPTU para: casinhas de cachorro, galinheiros, chiqueiros e congêneres.

Nenhum comentário: