Afonso Benitez
Matéria publicada em EL País - 25/05/2015
Por que a Odebrecht ainda passa ilesa pela Lava jato
Novembro de 2014. Um grupo de policiais federais cumpre mandado de busca e apreensão em uma das sedes da Odebrecht, no Rio de Janeiro. A suspeita é que a empresa seja uma das 23 empreiteiras que fazem parte de um cartel criado para fraudar a Petrobrás, desbaratado pela operação Lava Jato.
Maio de 2015. Seis meses após levantadas as suspeitas contra a maior empreiteira do país, nenhuma acusação formal é feita. Nenhum dirigente da Odebrecht interrogado. Ainda que paire mais de uma dezena de acusações e interrogações feitas por delatores do esquema criminoso (alguns de outras empreiteiras que tinham 59 bilhões de contratos com a petroleira) e por policiais que fazem parte das investigações.
Desde o início das apurações, há um ano, houve 28 denúncias por parte do Ministério Público Federal contra 128 pessoas. Há ainda ao menos outros 40 suspeitos com investigações em aberto, boa parte deles é de políticos. Nesse período, quase meio bilhão de reais foi restituído aos cofres públicos e descobriu-se um rombo de 6 bilhões de reais no cofre da Petrobras. Dinheiro esse que saía das empreiteiras e era usado para sustentar, segundo o Ministério Público, dirigentes da petroleira, partidos e políticos corruptos.
Nesse cenário, hoje, a Odebrecht é uma empresa que tem pressa. A mesma pressa que teve para erguer a sede de sua holding em São Paulo – um moderno prédio de 16 andares de escritório, quatro de garagens e um subsolo na beira do poluidíssimo rio Pinheiros, construído no prazo quase recorde de quatro anos –, é a que tem para tentar se livrar do lamaçal em que se viu envolvida com o escândalo da Petrobras. Até agora, ela foi uma das poucas construtoras que não tiveram executivos presos, ao contrário de suas concorrentes OAS, Camargo Corrêa, UTC e Queiroz Galvão.
Nos últimos meses, os advogados da Odebrecht já enviaram ao menos dois ofícios para o juiz responsável pelo caso, Sérgio Moro, pedindo que seus executivos fossem ouvidos. A “pressão jurídica” é para aliviar a “pressão política” que sofrem e que a empresa possa se manifestar antes de que alguma acusação seja oficialmente apresentada. Apesar de dizer que jamais pagou propina a políticos nem fez parte do cartel que está sendo investigado, a cúpula da empreiteira já prepara sua defesa, antevendo a abertura de processos.
E por qual razão a Odebrecht está na mira dos investigadores e pode ser a próxima denunciada no esquema? Mesmo sem querer dar uma resposta oficial para essa dúvida enviada pela reportagem, policiais, membros do Ministério Público e empreiteiros citaram algumas hipóteses:
1) Pagamentos de propinas – dois réus confessos das fraudes e ex-dirigentes da Petrobras disseram ter recebido dinheiro ilegal da Odebrecht. O ex-gerente Pedro Barusco, que era um “peixe-pequeno” na organização criminosa, falou que caiu em sua conta cerca de 1 milhão de dólares (cerca de 2,9 milhões de reais nos valores de hoje) por meio de uma offshore usada pela Odebrecht. Já o ex-diretor Paulo Roberto Costa, um dos operadores do esquema, afirma que recebeu diretamente da empreiteira, sem o intermédio de políticos, cerca de 31,5 milhões de dólares (94,1 milhões de reais) como “política do bom relacionamento”. O dinheiro seria para garantir que a empreiteira vencesse algumas disputas por obras da Petrobras;
2) Relação política – como é uma perene doadora de campanhas eleitorais, a empresa costuma ser vista como uma influenciadora das eleições. Só no pleito passado, foram 45,8 milhões de reais, a quinta maior doadora em 2014. Além disso, o fácil acesso que seus dirigentes têm ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para quem já pagaram viagens ao exterior, e à presidenta Dilma Rousseff, sempre a coloca como uma possível beneficiada nos negócios com o Governo federal. A suspeita de que empreiteiras se beneficiam de contratos governamentais já fora levantada pelo pesquisador, Pedro Henrique Pedreira Campos, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em seu livro “Estranhas Catedrais”. Para ele, o regime militar brasileiro (1964-1985) impulsionou vários dos esquemas ilícitos que sobrevivem até os dias de hoje;
3) Líder de um cartel – A Odebrecht é a maior das empreiteiras do Brasil. Sua receita líquida de 32,2 bilhões de reais é quase igual à soma das outras nove maiores empreiteiras do país (juntas, elas faturam 37,2 bilhões de reais). Entre 2001 e 2014 foi convidada a participar de 1.100 concorrências na Petrobras, disputou 120 e ganhou cerca de 10% desse total. Um dos delatores do esquema, o presidente da empreiteira Camargo Corrêa, Dalton Avancini, diz que a Odebrecht capitaneava o “clube das empreiteiras”, o apelido dado para as 23 empresas que se reuniram para montar um cartel contra a Petrobras. “A tese de cartel não existe sem a maior de todas”, diz um graúdo dirigente da Odebrecht. Isso explica a persistência da força tarefa em encontrar um elo que ajude a fechar o cerco sobre o setor, que cairia na legislação anti
4) Obras suspeitas – A refinaria de Abreu e Lima, no Pernambuco, e a refinaria de Pasadena, que passaria por obras, estão sob suspeita de irregularidades que também envolveriam a empreiteira. No primeiro caso, o Tribunal de Contas da União apontou que haveria sobrepreço e desvios de recursos no contrato de 429 milhões de reais para terraplanagem.
Todos esses fatores transformaram a Odebrecht, que está presente nas principais obras do país, na joia da coroa das empreiteiras. “Se conseguíssemos provar tudo o que falam da Odebrecht, comprovaríamos o envolvimento de metade do Governo [nas irregularidades da Petrobras]. E não só desse, dos anteriores também. O duro é que as coisas parecem muito bem feitas há décadas”, diz um obstinado policial que participa das apurações.
Um dos elos entre o Governo e a empreiteira seria a senadora Gleisi Hoffman (PT-PR), ex-chefe da Casa Civil no primeiro mandato de Dilma, que recebeu doações da empresa para sua campanha em 2010. Hoffmann, a única mulher na lista de políticos investigados pela Lava Jato, é apontada pelo ex-diretor Paulo Roberto Costa, como receptora de 1 milhão de reais da Petrobras - o dinheiro teria sido entregue a um emissor da sua campanha em 2010. A senadora se defende dizendo que pediu diretamente ao presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, recursos para campanha.
Em nome dessa investigação, no último dia 4, o ministro do Supremo Teori Zavascki acatou o pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de colher o depoimento do corpo diretivo da empresa, incluindo seu presidente, Marcelo Odebrecht. Assim, se não ganharam espaço com Moro e sua equipe para apresentar sua defesa, os executivos o farão agora no STF.
Sentimento de vingança
Citada por ao menos três delatores na operação Lava Jato, a Odebrecht nega que pague propina, que participe de cartel ou que suas doações eleitorais foram todas dentro do que prega a legislação brasileira. É fato que já receberam ofertas de pagamento propina, um procedimento quase normal, segundo a fonte da companhia. Mas que todo pedido ilícito, segundo ele, é negado. Em abril, Fernando Santos-Reis, presidente de uma das divisões do grupo, a Odebrecht Ambiental, já falava sobre a expectativa de que a empresa pise em falso em algum momento. “Tem gente que diz: 'vocês ainda não foram pegos'. Não fomos pegos porque não fizemos nada errado”, disse ele em entrevista à Folha de S. Paulo.
O depoimento na semana passada do dono da UTC, Ricardo Pessoa, também teria frustrado a força-tarefa da Lava Jato. Pessoa não relatou vínculo nas ações da sua empresa com a Odebrecht, segundo a Folha.
Em nota ao EL PAÍS, a empreiteira argumenta ainda que ao menos um dos depoimentos, o do presidente da Camargo Corrêa, Avancini, por exemplo, está tomado por um sentimento de vingança. “Sempre foram públicas as desavenças entre a Camargo Corrêa e a Odebrecht na disputa de importantes contratos, o que não surpreende que o presidente da Camargo, sentindo-se obrigado a prestar declarações para se livrar da prisão, o faça motivado por um sentimento de vingança concorrencial”. As duas empresas já tiveram mais de uma dezena de desavenças judiciais e mantêm uma rivalidade histórica, ainda que já tenham se unido em alguns negócios. Uma das brigas mais barulhentas ocorreu em 2008 quando ambas se acusaram mutuamente de desrespeitar editais das hidrelétricas Jirau (onde a Camargo atuava) e Santo Antônio (Odebrecht), em Rondônia.
Em sua defesa, a Odebrecht alega também que não há a possibilidade de existir um cartel dentro da Petrobras porque, pela forma de concorrência, é a própria estatal que define o preço que está disposta a pagar pelo serviço. A lógica é que, como a Petrobras é um monopólio na área de petróleo, cabem aos seus fornecedores se adequarem a suas regras porque não têm opção para fornecer para outras petroleiras. Ou seja, as empreiteiras, em tese, não teriam como se unir para definir quanto cobrariam por determinado serviço. “As disputas [entre as empreiteiras] parecem uma guerra”, alerta um dos executivos da Odebrecht.
Sobre as doações eleitorais feitas nos últimos anos, a empreiteira diz que se baseia em uma “visão democrática e em respeito à legislação”, que não adota posição partidária nem ideológica e que todas são feitas de forma pública e transparente. Mas nem sempre foi assim. Na mesma entrevista concedida à Folha, Santos-Reis, da Odebrecht Ambiental, diz que a companhia aprendeu muito com erros do passado, como no escândalo dos anões do Orçamento, de 1993. Naquela época, foi descoberto um esquema de empreiteiras, entre elas a Odebrecht, que pagavam propina a um dos deputados (João Alves) para que ele facilitasse a liberação de obras.
Os negócios da empreiteira
A Odebrecht é quase 'onipresente' quando se trata de obras de infraestrutura no Brasil. Metrôs, rodovias, aeroportos, estádios, tudo que demande concreto e cimento, a empresa está junto. Das dez obras mais importantes para a Copa do Mundo do ano passado e Olimpíadas 2016, a Odebrecht estava envolvida com ao menos oito. No anúncio dos 35 acordos assinados entre o Brasil e a China, durante a passagem do primeiro-ministro Li Keqiang, na semana que passou, a Odebrecht também foi beneficiada. A empresa assinou um memorando com a China Electronics Corporation e o banco ICBC para desenvolver o Programa de Integração da Amazônia Legal, um investimento de 3 bilhões de dólares.
Fundação: 1944
Ramos de atuação: Construção Civil, Indústria Naval, Óleo e Gás, Meio Ambiente, Defesa e Tecnologia.
Extensão: Presente em 21 países com 170.000 funcionários.
Receita bruta: 10,7 bilhões de reais
Destaque: É a maior empreiteira do Brasil e 45ª maior empresa nacional
Principais obras:
Estádio Itaquerão – São Paulo
Reforma do Maracanã - Rio de Janeiro
Comperj - Rio de Janeiro
Polo Petroquímico de Triunfo - Rio Grande do Sul
Porto de Suape - Pernambuco
Refinaria Abreu e Lima - Pernambuco
Porto de Mariel – Cuba
Aeroporto José Martí – Cuba
Malha metroviária de Miami – Estados Unidos
Linhas 4 e 5 do metrô de Caracas – Venezuela
Linha 1 do metrô da Cidade do Panamá - Panamá
Tecnologia de ponta:
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