Pintura de Daril da Silva - Maria Fumaça na Estação de Tinguá |
Por: Wandemberg
"Maria Fumaça"
De certa feita , nos idos de nossa adolescência, aguardávamos na estação de Miguel Couto,"Felizes da Vida", a chegada do trem, também, chamado por nós de "Maria Fumaça', quando um apito continuado atiçou nossa impaciência. Já dava pra ver no céu lá pras bandas de Itaipú (uma estação antes), o rastro de fumaça negra, expelido pela chaminé da máquina, vir em nossa direção. Poucos minutos depois a composição chiando e esfumaçando qual "chaleira destrambelhada", atravessava o "Mata Burro" da estação, tendo a conduzi-la o sorridente Silvio Maquinista. Já contei aqui uma história fantástica sobre o saudoso Silvio - O Trem Fujão - quando "seu trem" que se encontrava em manutenção, saiu de Cava sem maquinista à bordo, em direção à Tinguá. Nosso herói, 'maquinista de trem', simplesmente, saiu correndo atrás, até alcançá-lo quando a 'máquina' perdeu compressão e parou num aclive, próximo à Fazenda São Bernardino. Um dia desses conto outra vez.
O trem era um de nossos brinquedos favoritos, também tínhamos predileção pela bola de futebol, pela pescaria de 'lóca' nos rios, pela caça às rãs, pela colheita de frutas nos laranjais alheios(confessando o crime)...Era uma alegria quando a molecada, principalmente no verão, ia passear em Tinguá, Jaceruba, Rio D'Ouro. Como quase sempre acontecia não sabíamos ao certo em qual das três localidades iríamos parar, tampouco queríamos saber. Quando a composição chegasse a Cava, ou seguiria em linha reta com destino a Rio D'Ouro ou Jaceruba, ou tomava a bifurcação à direita em direção a Tinguá.
No interior do vagão a competição entre os vendedores ambulantes bombardeava nossa audição com suas chamadas ininterruptas, ao tempo que aguçava cada vez mais nosso apetite voraz de adolescente: "olha o bolinho de aipim quentinho"! / "...amendoim torradinho"!/ "bala de coco, quem vai querer?/"Aê o pirulito de mel/ "pastel quentinho!".
Na estação de José Bulhões (Vila de Cava), uma 'Folia de Reis', inteira, entrou no vagão que antecedia ao que estávamos. Daí em diante o barulho da tagarelice dos ambulantes passou a sofrer a concorrência dos foliões, com suas cantorias, o doce som da sanfona de oito baixo, o acorde de uma viola, o tilintar do cilindro, a zoada do zabumba e os versos rimados do palhaço. O trem apitou, saiu e, logo, bifurcou para a direita. Agora sim, finalmente, estávamos certos que o destino era Tinguá.
Tendo a janela como moldura, admirávamos o cenário bucólico, porém deslumbrante. Não demorou muito e tivemos um encontro histórico com as magníficas imagens vertidas pelas Palmeiras Imperiais enfileiradas duas à duas, tendo ao fundo o imponente casarão da "Fazenda São Bernardino", ainda, inteiro, antes do incêndio criminoso que anos depois destruiu cerca de 95% de sua edificação. Mais à frente o Canal Iguassú, que um dia no passado foi rio, e, também, a primeira Estrada da Baixada Fluminense, perdendo a condição de rio e seus meandros para um leito, agora, constituído por linhas 'quase retas', como solução para exterminar às 'pestes' (Cólera Mórbus e Malária) que dizimaram parte da população da lendária Vila de Iguassú, no final do século XIX, obrigando muita gente a fugir para a Maxambomba e Santana das Palmeiras.
Próximo, os postes telegráficos 'plantados' paralelamente à linha férrea causavam a falsa impressão que eram eles, e não o trem, que se encontrava em movimento. Ao longe, muitas cabeças de gado, toscas moradas, córregos, hortas, pomares. Bem mais ao fundo, os matizes do verde (do mais escuro ao mais claro) das serranias do Tinguá, se sucediam até morrer bruscamente nas linhas sinuosas que os separavam do azul claro do céu, timbrado pelo amarelo ouro do sol, e tingido, em alguns pontos, por umas poucas nuvens esbranquiçadas. Diante daquela exuberante combinações de cores, pude entender, pela primeira vez, o porque das cores da Bandeira do Brasil.
Ao chegarmos ao destino, de tanta euforia, mal sabíamos para onde correr. Logo, apareceu uma bola de futebol e armamos uma "Linha de Passes", ali mesmo na Pracinha ao lado da Estação, sob os olhares reprovadores dos transeuntes, até nos lembrarmos que as águas límpidas e geladas do Rio Tinguá nos aguardavam, e, saímos em desabalada correria para o sempre acrobático mergulho inicial!
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Um comentário:
A vida era muito mais romântica.
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