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sábado, 4 de março de 2017

O Trem Fujão


Estação de Rio D'Ouro
Por: Wandemberg
O Trem Fujão
 Este é mais um episódio da história da Baixada Fluminense (extraí em conversa com o irmão e a viúva do protagonista, há alguns anos atrás), que remete aos saudosos anos 50/60, quando a inesquecível 'Maria Fumaça' deslizando sobre trilhos do mais puro aço inglês, arrastava pela estrada de Ferro Rio D'ouro o restante da composição, que ligava localidades do 'Pé' da Serra dos Caboclos' ao Rio de Janeiro.  O trem era, na verdade, para os que moravam no interior, uma 'benção' de ferro e madeira, movido à lenha e regurgitador de fumaça, que ligava o paraíso no 'Fim do Mundo' à 'Cidade Maravilhosa', conduzido por um profissional conhecido como: Maquinista.   
 Mas não vim aqui para falar somente do trem, e, sim de sua 'cara metade', ou seja, um dos maiores maquinistas de "Maria Fumaça" da história. O saudoso Silvio dos Santos, ou melhor - Silvio Maquinista – que nasceu em Queimados em 14/02/22, mudando-se, mais tarde, para Vila de Cava, ocasião em que conheceu e contraiu matrimônio com Dona Anita, lá pelos idos de 1946, vindo a estabelecer residência na Rua Silva em Miguel Couto. Nesse tempo nosso amigo já era funcionário da Estrada de Ferro Rio D'Ouro.
  Naquelas décadas, os maquinistas de trem gozavam de certo ‘status’ perante a população sendo vistos, principalmente, por moradores das regiões agrícolas, como verdadeiros heróis. Ainda mais Silvio, que do alto da cabine de sua locomotiva e de seu carisma pessoal estabelecia grande interação com passageiros e populações que viviam no entorno das estações, ao ponto de trocar acenos e sorrisos com a garotada que, muitas vezes, às margens do leito férreo, esperava o trem, tão somente, para ser alvo de uma deferência qualquer do ídolo: Um sorriso, que fosse; um sinal de ‘ok’, representado por quatro dedos da mão esquerda fechada e o polegar esticado para o céu. Para a gurizada, um gesto do maquinista era 'tudo!'... Para aumentar ainda mais a empatia, nosso herói, não se negava a parar a composição fora da estação para a subida ou descida de passageiros, ou de uma carga qualquer. Os volumes, de modo geral, eram embalados em velhos caixotes de madeira, ou em rotos sacos de linhagem, as mercadorias iam direto das plantações para feiras do subúrbio do Rio, como: Irajá , Inhaúma e outras... 
  Uma coisa era certa, lá pelos idos dos anos 50/60 - Silvio Maquinista era - pelo menos de Belford-Roxo pra cima, o mais popular dentre os maquinistas de ‘Maria Fumaça’ da Estrada de Ferro Rio D’Ouro. Mas não eram apenas os de 'fora' que o admiravam. Gozava de prestígio, também, com os companheiros de trabalho, porque além de bom amigo era tido e havido como um grande profissional em seu ofício. Não obstante a vida pregressa eivada de acertos, para não dizer que ao longo da carreira de maquinista não cometera erro, seu cunhado Antonio Cândido, que trabalhou com ele na ferrovia, nos conta que de certa feita Silvio cometeu uma distração, provavelmente, a única na carreira, que poderia ter tido um desfecho trágico, mas, certamente, naquele dia seu ‘anjo da guarda’ devia estar de ‘plantão, e, felizmente, tudo terminou bem:

O dia em que o trem fugiu
"Certa vez, quando seu trem, prestes a receber manutenção, aguardava para receber a equipe de limpeza numa linha à parte, na estação de Vila de Cava, meu cunhado Silvio, passando por um buraco na tela que separava a estação de uma viela, se dirigiu a um boteco, onde hoje é o restaurante ‘Paga Vela’, para tomar uma pinga. Ocorreu que ele houvera deixado a marcha da locomotiva acionada, a caldeira ganhou compressão, e, a máquina, mesmo sem maquinista à bordo, saiu em direção a Tinguá arrastando quatro vagões pela linha de entroncamento. Lá do boteco, Silvio, quase teve um ‘treco’ quando viu, com seus próprios olhos, o trem que estava sob sua responsabilidade tomar, lentamente, o rumo de Tinguá, sem ninguém a conduzi-lo. Justiça se faça, naquele momento, a única coisa que poderia ter feito ele fez. Sair correndo, desesperadamente, atrás da composição”, disse Cândido.
  A cena descrita pelo cunhado de Silvio, com certeza, daria um ‘Oscar’ a qualquer diretor de cinema, por mais medíocre que fosse, diga-se: Um trem em movimento sem maquinista. Um maquinista sem trem correndo atrás do seu trem que houvera, pasmem, fugido. 
 “O pior é que longe de ser um atleta, Silvio, corria sem encontrar forças nas pernas para se aproximar do último vagão, que a cada minuto que passava ficava mais longe de seu alcance. Meu cunhado já não aguentava mais, estava exausto e pronto pra desistir, ele próprio me confidenciou após o episódio", redarguiu Cândido. 
  Pelas palavras de Cândido naquele momento só um milagre poderia evitar a tragédia iminente. E, o milagre aconteceu, provavelmente, por obra e graça de São Bernardino que é Santo Forte e ‘não dorme de touca’. 
 "Ocorreu que nas imediações da Fazenda São Bernardino (hoje em ruínas) a compressão acumulada na caldeira da locomotiva não foi suficiente para fazer com que a composição subisse um aclive, e, simplesmente, parou, ficando à espera de seu exaurido maquinista", concluiu o cunhado com ares de riso.  


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