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sexta-feira, 29 de maio de 2020

De Certa Feita


Matéria publicada em 09/01/ 2012

Série: De Certa Feita...
Por: Wandemberg

Esperando o trem
 De certa feita, nos idos de nossa adolescência, aguardávamos na estação de Miguel Couto ‘felizes da vida’ a chegada da ‘Maria Fumaça’, quando um apito continuado atiçou nossa impaciência. Já dava pra ver no céu das ‘bandas’ de Itaipu, uma estação antes, o rastro de fumaça negra, expelido pela chaminé da máquina vir em nossa direção evolada pelo vento. Poucos minutos depois a composição atravessava, chiando e esfumaçando qual “chaleira destrambelhada”, o “mata-burro” da estação, tendo a conduzi-la o sorridente Silvio Maquinista. Já contei aqui uma história fantástica sobre o saudoso Silvio – O trem Fujão - quando numa cena patética seu trem, que se encontrava em manutenção, saiu de Cava sem maquinista à bordo em direção á Tinguá. Nosso herói, simplesmente, saiu correndo atrás até alcançá-lo numa ladeira próximo a Fazenda São Bernardino. Um dia desses, conto outra vez.

Era uma Alegria
 O trem era um de nossos brinquedos favoritos além da bola de futebol, dos rios, dos laranjais, caça às rãs... Era uma alegria quando a ‘molecada’, principalmente no verão, ia passear em Tinguá, Jaceruba ou Rio D’Ouro. Como sempre acontecia não sabíamos ao certo para qual das três localidades iríamos, tampouco queríamos saber! Quando chegasse à Vila de Cava, duas estações após Miguel Couto(estação em que morávamos), o trem, ou seguiria em linha reta com destino para Rio Douro e Jaceruba, ou tomava a bifurcação à direita rumo a Tinguá. De certo, uma dessas três localidades seria nosso destino. O objetivo era antes de tudo nadar nas águas translúcidas, embora que bem frias, de rios da região da 'Serra dos Caboclos'!
 No interior do vagão o som da competição dos vendedores ambulantes bombardeavam nossa audição, com suas ‘chamadas peculiares’ anunciando seus produtos, ao tempo que aguçavam, cada vez mais, nosso apetite voraz de adolescente: “Olha, o bolinho de aipim!” anunciava um / “...amendoim torradinho!”, anunciava outro / “Bala de coco, quem vai querer?” / “Olha o pirulito de mel!” / “...pastel quentinho, vai querer? ...?”.

Folia de Reis entra no trem em Vila de Cava
  Na estação de Vila de Cava, uma 'Folia de Reis', inteira, entrou no vagão que antecedia ao que nos encontrávamos. Daí em diante o barulho da tagarelice dos ambulantes passaria, tão logo o trem desse partida, a sofrer a concorrência de mais uma zoada: a dos foliões - com a cantoria, com o som da sanfona de oito baixos, o acorde da viola, o tilintar do cilindro, do bumbo e dos versos rimados do palhaço, sem falar, é óbvio, do barulhento 'thec thec' da máquina, adicionado por vezes ao som do atrito metálico das rodas nos trilhos. O trem apitou, saiu e, logo, bifurcou para à direita. Agora sim, finalmente, estávamos certos que iriamos para Tinguá.

O Casarão da Fazenda São Bernardino
 Tendo a janela como moldura, admirávamos o cenário bucólico, porém deslumbrante. Não demorou muito e tivemos um encontro histórico com as imagens magníficas vertidas pelas Palmeiras Imperiais, enfileiradas duas a duas, tendo ao fundo o imponente e histórico casarão da Fazenda São Bernardino, ainda inteiro, antes do incêndio criminoso que anos depois destruiu 95% de sua edificação. Mais à frente o canal Iguaçu, que um dia foi rio e, também, a primeira estrada fluvial da Baixada Fluminense, perdendo o ‘status’ de rio e seus meandros para um leito, agora, constituído por linhas retas, como solução para exterminar às pestes que assolaram a região no final do século XIX (Cólera Mórbus, Malária). Próximo, os postes do telegrafo davam a falsa impressão que eram eles, e não o trem, que estava em movimento. Ao longe muitas cabeças de gado, toscas moradas, córregos, hortas, pomares. Bem mais ao fundo os matizes dos verdes da serrania se sucediam do mais claro ao mais escuro até morrer, bruscamente, nas linhas sinuosas que o separavam do azul claro do céu, tingido, em alguns pontos, por umas poucas nuvens esbranquiçadas e que juntos, ao amarelo ouro do sol a pino, lembravam a bandeira do Brasil. Tudo por ali, era esplendido e, dizia da Pátria amada!
 Mergulho no Rio Tinguá
 Ao chegamos ao destino, de tanta alegria, mal sabíamos para onde correr. Logo apareceu uma bola e armamos uma “linha de passes” ali mesmo na pracinha ao lado da Estação, sob os olhares desaprovadores dos moradores locais, até nos lembrarmos que as águas límpidas e geladas do Rio Tinguá nos aguardavam e, saímos em correria, para o sempre apoteótico e acrobático mergulho inicial.

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