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segunda-feira, 29 de julho de 2013

Nos tempos do Paraíso



Por: Wandemberg

Creio que os que tiveram sua adolescência lá pelos idos dos anos 50/60, como eu, por exemplo, viveram em época paradisíaca, lúdica, por excelência, pelo menos nessas bandas de cá da   extinta (que pena) Estrada de Ferro Rio D'Ouro, nos bairros mais próximos às Serranias do Tinguá.  Naquele tempo mágico, a natureza exuberante reinava soberana à partir  de poucos metros do centro de Miguel Couto, bairro em que vivo desde que nasci a pouco mais de sessenta e cinco anos atrás.

Como milagre Divino as necessidades básicas alimentares estavam ao dispor da pequena população. O Rio das Velhas que hoje é polo de poluição, naquele tempo, além de provedor, era um de nossos brinquedos prediletos, facultando além do prazer da natação, ainda, a garantia de peixe à mesa de muita gente, sem falar na extração de areia que, se,  vendida, rendia alguns cruzeiros a qualquer cidadão. O ‘Valão da Madame’, permitia a pesca de bagres e Carás. Já no Rio Iguassú, para aqueles que quisessem sofisticar a alimentação, era só afundar o jererê, ou, a peneira  que em sacolejando-os, de baixo para cima, nos galhos das árvores mergulhados sob a lâmina d’água, que, de certo, teriam seus bornais abarrotados com camarão de água doce(pitu). 

Enfim, para os que não queriam 'pegar' a 'Maria Fumaça' para trabalhar na capital do País (Rio de Janeiro), comida é que não faltava, não obstante às dádivas dos rios, outras opções abundavam para um cardápio tão farto quanto variado:  mamão, Jaca, manga, cajá, jamelão, laranja, cana, ingá, araçá, goiaba, banana... estavam a mercê, de qualquer um, na natureza pródiga que se eximia da cobrança de quaisquer ônus. Sem dizer que não faltavam terras onde os mais esforçados podiam, ainda, plantar milho, feijão, aipim, hortaliças, legumes e outros...Ah! sim! Ainda havia caça em abundância!

   Os passeios de sábado na Maria Fumaça
Os passeios de sábado da molecada para Tinguá, Jaceruba, Rio D’Ouro, Santo Antonio e outras estações de trem do pé da serra, se davam geralmente aos sábados (domingo era sagrado para o futebol). Pagar passagem? Nem pensar, até porque não tinhamos dinheiro! Esperávamos o trem, após a estação, e o ‘pegavamos’ com ele em movimento. Subíamos para o teto do vagão de carga, através de uma escada fixa que ficava entre vagões, e, viajávamos lá em cima de cara pro vento. Dessa forma evitávamos o bilheteiro. O trem era mais um de nossos brinquedos!

Na verdade nesses dias a alimentação requeria um planejamento mais complexo. Galinha assada, por exemplo, era prato certo nas mochilas, mas havia estrategia para consegui-las. Na sexta feira que antecedia  a viagem, um ou dois galinheiros das casas dos moleques eram assaltados pelos próprios moleques. Quase todas as casas tinham galinheiro e raramente as mães davam falta das aves 'surrupiadas', posto que haviam em grande quantidade, e, pára dissimular, o ‘roubo’ era alternado. Vamos supor: se eu fosse escalado para roubar o galinheiro da minha casa essa semana, na outra, o surrupío, já seria na casa de outro! Convenhamos! Nossa ‘quadrilha’, até que, era organizada! 

Havia uma bica ‘gigantesca’ no centro de Miguel Couto na rua 'H', hoje Marli Carvalho Pereira, em frente onde, hoje, é o Mercadão, que vertia água tão translúcida quanto gelada, onde os moradores, principalmente os que moravam na periferia distante, enchiam  latas e carregavam sobre a cabeça protegida com rodilhas (saco vazio de trigo torcidas em forma de caracol) que era usado entre a lata cheia d'água e a cabeça, para evitar ferimento. Naquele tempo as casas não tinham água encanada(as opçoes eram: água de poço, a bica gigante, ou Rio das Velhas). Pois bem! De posse das galinhas, os responsáveis pelo preparo das aves (dois ou três moleques escalados), iam para a bica  limpá-las, sem antes deixar de acender uma fogueira ao lado para ferver água afim de soltar as penas. Ali mesmo as galinhas eram temperadas.  Após a operação, que se dava tarde da noite, quando não havia mais população à rua, eram levadas para a padaria para serem assadas no forno à lenha, próximo ao qual cochilavam os incumbidos da ‘operação’ enquanto o padeiro (conivente) se incumbia de assá-las.  À beira do forno sobre um platô de cimento agregado havia sempre uma chaleira com café a disposição de todos e pão quente, lógico.  

Uma dessas vezes, fui acordado por Dona Amélia, mãe do Arnaldo e esposa do Seu Manoel (dono da padaria). Quando vi de quem se tratava, não sabia o que fazer . Sabia, isso sim, que se dona Amélia falasse pro meu pai, iria tomar uma 'coça' de vara de goiabeira ou amora. Ela, disse que ia contar, mas pra minha sorte não contou. Dona Amélia, até hoje, já velhinha, tem 'coração de ouro!'. 
Garantido o 'rango' o sábado no 'Pé da Serra' prenunciava ser maravilhoso. Pelas sete da manhã o restante da  gurizada estava lá ao lado dos trilhos, após a estação, à espera do trem para tomá-lo de assalto. No bom sentido é claro! 
Vez por outra arranjávamos confusão, mas isso conto em outra oportunidade.

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