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terça-feira, 16 de julho de 2013

O Trem Fujão


Por: Wandemberg
De certa feita... 

O saudoso Silvio dos Santos, ou melhor - Silvio Maquinista – nasceu em Queimados em 14/02/22, mudando-se mais tarde para Vila de Cava. Anos após conheceu Dona Anita com quem contraiu matrimônio, lá pelos idos de 1946, estabelecendo residência na Rua Silva em Miguel Couto, aqui em Nova Iguaçu. Nesse tempo nosso amigo já era funcionário da Estrada de Ferro.

Àquela época os maquinistas de trem gozavam de certo ‘status’ perante a população, sendo vistos, principalmente, por moradores das regiões agrícolas, como verdadeiros heróis. Ainda mais Silvio que do alto da cabine de sua locomotiva e de seu carisma pessoal estabelecia grande interação com os passageiros e com as populações que viviam no entorno das estações, ao ponto de trocar acenos e sorrisos com a garotada que, muitas vezes, às margens do leito férreo, esperava o trem, tão somente, para ser alvo de uma deferência qualquer do ídolo: Um sorriso, que fosse; um sinal de ‘ok’, representado por quatro dedos da mão esquerda fechada e o polegar esticado para o céu. Para a gurizada era 'tudo!'... Para aumentar ainda mais a empatia, não se negava a parar a composição fora da estação para a subida ou descida de passageiros, ou de uma carga qualquer. Geralmente, embalada em velho caixote de madeira, ou em roto saco de linhagem, as mercadorias iam direto das plantações para feiras do subúrbio do Rio, como: Irajá , Inhaúma e outras... 

Uma coisa era certa, lá pelos idos dos anos 50 - Silvio Maquinista era - pelo menos  de Belford-Roxo pra cima, o mais popular dentre os maquinistas de ‘Maria Fumaça’ da Estrada de Ferro Rio D’Ouro. Mas não eram apenas os de fora que o admiravam. Gozava de prestígio, também, com os companheiros de trabalho, porque além de bom amigo era tido e havido como um grande profissional em seu ofício. Não obstante a vida pregressa eivada de acertos, para não dizer que ao longo da carreira de maquinista não cometera erro, seu cunhado Antonio Cândido, que trabalhou com ele na ferrovia, nos conta que de certa feita Silvio cometeu uma distração, provavelmente, a única na carreira, que poderia ter tido um desfecho trágico, mas, certamente, naquele dia seu ‘anjo da guarda’ devia estar de ‘plantão, e, felizmente, tudo terminou bem:

Seu trem fugiu
"Certa vez, quando seu trem, prestes a receber manutenção, aguardava para receber a equipe de limpeza numa linha à parte, na estação de Vila de Cava, meu cunhado Silvio, passando por um buraco na tela que separava a estação de uma viela, se dirigiu a um boteco ao lado, onde hoje é o restaurante ‘Paga Vela’, para tomar uma pinga. Ocorreu que ele houvera deixado a marcha da locomotiva acionada, a caldeira ganhou compressão, e, a máquina, mesmo sem maquinista à bordo, saiu em direção a Tinguá arrastando quatro vagões pela linha de entroncamento. 
Lá do boteco, Silvio, quase teve um ‘treco’ quando viu, com seus próprios olhos, o trem que estava  sob sua responsabilidade tomar, lentamente,  o rumo de Tinguá, sem ninguém a conduzi-lo. Justiça se faça, naquele momento, a única coisa que poderia ter feito ele fez. Sair correndo, desesperadamente, atrás da composição”, disse Cândido.

A cena descrita pelo cunhado de Silvio, com certeza, daria um ‘Oscar’ a qualquer diretor de cinema, por mais medíocre que fosse, diga-se: Um trem em movimento sem maquinista. Um maquinista sem trem correndo atrás do seu trem que houvera, pasmem, fugido. 

“O pior é que longe de ser um atleta, Silvio, corria sem encontrar forças nas pernas para se aproximar do último vagão, que a cada minuto que passava ficava mais distante de seu alcance”, redarguiu Cândido.

“Meu cunhado já não aguentava mais, estava exausto e pronto pra desistir, ele próprio me confidenciou após o episódio”, disse. "Naquele momento só um milagre poderia evitar a tragédia iminente. E, o milagre aconteceu, provavelmente, por obra e arte de São Bernardino que é Santo Forte e ‘não dorme de touca’. Ocorreu que nas imediações da Fazenda São Bernardino (hoje em ruínas) a compressão acumulada na caldeira não foi suficiente para fazer com que o trem subisse um aclive, e, simplesmente, parou, ficando à espera de seu exaurido maquinista", concluiu o cunhado com ares de riso.  

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