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terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Nos tempos do Paraíso II

Por: Wandemberg
Nos tempos do Paraíso II
 Creio que os que tiveram sua adolescência lá pelos idos dos anos 50/60, como eu, por exemplo, viveram em época paradisíaca, lúdica, por excelência, pelo menos nessas ‘bandas’ de cá da   extinta (que pena) Estrada de Ferro Rio D'Ouro, nos bairros mais próximos às Serranias do Tinguá.  Naquele tempo mágico a natureza exuberante reinava soberana à partir  de poucos metros do centro de Miguel Couto, bairro em que vivo, desde que nasci, a pouco mais de sessenta e oito anos atrás.
 Como milagre Divino, as necessidades básicas alimentares estavam ao dispor da pequena população. O Rio das Velhas, que hoje é polo de poluição e assoreamento, naquele tempo, além de provedor, era um de nossos brinquedos prediletos, facultando além do prazer da natação, ainda, a garantia de peixe à mesa de muita gente, sem falar na extração de areia, separada na 'base' da pá para secagem à beira do rio, que se vendida, rendia alguns cruzeiros a qualquer cidadão. O ‘Valão da Madame’, permitia a pesca de bagres e Carás. Já no Rio Iguassú, para aqueles que quisessem sofisticar a alimentação, era só afundar o jererê, ou, a peneira,  que em sacolejando-os, de baixo para cima, nos galhos das árvores debruçados sob a lâmina d’água, que, de certo, teriam seus bornais abarrotados de saltitantes camarões de água doce(pitu). 
  Enfim, para os que não queriam 'pegar' a 'Maria Fumaça' para trabalhar na então capital do País (Rio de Janeiro), comida é que não faltava, não obstante às dádivas dos rios, outras opções abundavam para um cardápio tão farto quanto variado:  mamão, Jaca, manga, cajá, jamelão, laranja, cana, ingá, araçá, goiaba, banana... estavam a mercê, de qualquer um, na natureza pródiga que se eximia da cobrança de quaisquer ônus. Sem dizer que não faltavam terras onde os mais esforçados podiam, ainda, plantar milho, feijão, aipim, hortaliças, legumes e outros...Ah! sim! Havia, também, caça em abundância!
   Os passeios de sábado na 'Maria Fumaça'
 Os passeios da molecada para Tinguá, Jaceruba, Rio D’Ouro, Santo Antonio e outras estações de trem do 'Pé da Serra dos Caboclos', se davam, geralmente, aos sábados (domingo era sagrado para o futebol). Pagar passagem? Nem pensar, até porque não tínhamos dinheiro! Esperávamos o trem, após a estação, e, o ‘pegávamos’ com a composição em movimento. Subíamos para o teto do vagão de carga através de uma escada fixa que ficava entre vagões(operação perigosíssima), evitando dessa forma o 'bilheteiro', e garantindo o privilégio de viajar lá em cima, de cara pro vento e para a fuligem da chaminé da locomotiva, que vez ou outra acertava nossos olhos, com um incomodo cisco. O trem era mais um de nossos brinquedos preciosos!
    Providenciando a alimentação
 Na verdade nesses dias a alimentação requeria um planejamento mais complexo. Galinha assada, por exemplo, era prato certo em nossas mochilas, mas havia estratégia para consegui-las. Na sexta feira que antecedia à viagem, na 'calada da noite', três ou mais galinheiros das casas dos moleques eram 'visitados' pelos próprios moleques, que se incumbiam de reduzir a população do interessante animal irracional/bípede/com corpo coberto de penas/ovíparo/possuidor de excrescência conhecido por bico, moradoras de toscas residências conhecidas como galinheiro/e sendo dotado de um órgão, a um só tempo, reprodutor e excretor, chamado cloaca, conhecida pelos terráqueos, pelo nome de GALINHA! Disse tudo isso, para descaracterizar os indícios do ignominioso (linda palavra) ato mais conhecido popularmente como - roubo de galinha, cujo praticante se fosse pego, além de passar um dia em cana, teria que limpar o DPO e, ainda, levava uns 'bolos' de palmatória nas mãos.
 Pois bem, ignominiosidade à parte! Lá pelos anos 50/60, quase todas as casas de Miguel Couto, tinham galinheiro e raramente nossos pais davam falta das aves 'suprimidas', posto que haviam em grande quantidade, e, pára dissimular a supressão nos galinheiros, havia contínua alternância da molecada na responsabilidade em consegui-las! Vamos supor: se eu fosse escalado para pegar galinha no galinheiro da minha casa, nessa semana, na outra a responsabilidade, já seria de outro moleque! Ademais, quando os índices de desconfiança tomavam maiores proporções, jogávamos no ar a informação (desinformação), que gambás rondavam os galinheiros! E, mais, para caracterizar o assalto dos gambás fantasmas, fazíamos rombos nas telas dos galinheiros, Convenhamos! Nossa ‘tropa’, até que, era organizada e porque não dizer "maquiavélica"! 
  A bica gigante da Rua "H"
 Havia uma bica ‘gigantesca’ no centro de Miguel Couto na rua 'H', hoje Marli Carvalho Pereira, em frente onde, hoje, é o Mercadão de Miguel Couto, que vertia água tão translúcida quanto gelada, onde os moradores, principalmente os que moravam na periferia, enchiam  latas e carregavam sobre a cabeça protegida com rodilhas (saco de linhagem vazio e torcido em forma de caracol) que era usado entre a lata, cheia d'água, e, a cabeça das pessoas, para evitar ferimento. Naquele tempo as casas não tinham água encanada(as opções eram: água de poço, a bica gigante da Rua 'H', ou Rio das Velhas). Pois bem! De posse das galinhas, os responsáveis pelo preparo das aves (dois ou três moleques escalados), iam para a bica limpá-las, sem, contudo, deixar de acender uma fogueira ao lado, para ferver água afim de soltar as penas. Ali mesmo, naquele local, as galinhas eram temperadas.  Após a operação, que se dava tarde da noite, quando não havia mais população à rua, eram levadas para a padaria para serem assadas no forno à lenha, próximo ao qual cochilariam os incumbidos da ‘operação’, enquanto o padeiro (conivente) se incumbia de assá-las. Lá pela 'tantas' da madrugada, finda a operação, deixávamos uma galinha, para ele e estava tudo certo. À beira do forno, sobre um platô de cimento, agregado, havia sempre uma chaleira com café a disposição de todos e pão quentinho, lógico. 
 Uma dessas vezes, fui acordado por Dona Amélia, mãe do Arnaldo e esposa do Seu Manoel (dono da padaria). Quando vi de quem se tratava, não sabia o que fazer . Sabia, isso sim, que se dona Amélia falasse pro meu pai, iria tomar uma 'coça' de vara de goiabeira ou amora. Ela, disse que ia contar, mas pra minha sorte não contou. Dona Amélia, até hoje, já velhinha (quase 100 anos), tem 'coração de ouro!'. 
 Garantido o 'rango', o sábado no 'Pé da Serra' prenunciava ser maravilhoso. Pelas sete da manhã, o restante da  gurizada, já, houvera, transposto, a tela da estação, e, se posicionado ao longo da linha férrea, cerca de dez metros após a estação, à espera do trem para tomá-lo de assalto, no bom sentido é claro! 

Esperando o trem

 Numa belíssima manhã de sábado de um dia qualquer dos anos 60, logo ao primeiro sorriso do sol, já aguardávamos cerca de 20 metros após a estação de Miguel Couto, ‘felizes da vida’, a chegada da ‘Maria Fumaça’, quando um apito continuado atiçou nossa impaciência. Já dava pra ver no céu das ‘bandas’ de Itaipu (uma estação antes), o rastro de fumaça negra, expelido pela chaminé da máquina, vir em nossa direção. Poucos minutos depois a composição atravessava chiando e esfumaçando, qual “chaleira destrambelhada”, o “mata-burro” da estação, tendo a conduzi-la o sorridente Silvio Maquinista. Já contei aqui uma história fantástica sobre o saudoso Silvio – O Trem Fujão - quando seu trem, que se encontrava em manutenção, saiu de Cava, sem maquinista à bordo, em direção á Tinguá. Nosso herói, simplesmente, saiu correndo atrás até alcançá-lo numa ladeira próximo a Fazenda São Bernardino. Um dia desses, conto outra vez. 
Era uma Alegria
 O trem era um de nossos brinquedos favoritos além da bola de futebol, dos rios, dos laranjais, caça às rãs... Era uma alegria quando a ‘molecada’, principalmente no verão, ia passear em Tinguá, Jaceruba ou Rio D’Ouro. Como sempre acontecia,
não sabíamos ao certo para qual das três localidades iríamos, tampouco queríamos saber! Quando chegasse a Vila de Cava o trem, ou seguiria em linha reta com destino a Rio Douro ou Jaceruba, ou tomava a bifurcação rumo a Tinguá.
 No interior do vagão a competição dos vendedores ambulantes bombardeava nossa audição com suas ‘chamadas’, ao tempo que aguçava cada vez mais nosso apetite voraz de adolescente: “Olha, o bolinho de aipim!” / “...amendoim torradinho!” / “Bala de coco, quem vai querer?” / “Olha o pirulito de mel!”, / “...pastel quentinho, vai ...?”(...).
Folia de Reis entra no trem em Vila de Cava
 Na estação de Vila de Cava, uma Folia de Reis, inteira, entrou no vagão que antecedia ao que nos encontrávamos. Daí em diante o barulho da tagarelice dos ambulantes passou a sofrer a concorrência dos foliões: com a cantoria, o doce som da sanfona de oito baixos, o acorde de uma viola, o tilintar do cilindro, a zoada do bumbo e os versos rimados do palhaço. O trem apitou, saiu e, logo, bifurcou para a direita. Agora sim, finalmente, estávamos certos que iríamos paraTinguá.
O Casarão da Fazenda São Bernardino
 Tendo a janela como moldura, admirávamos o cenário bucólico, porém deslumbrante. Não demorou muito e tivemos um encontro histórico com as imagens magníficas vertidas pelas Palmeiras Imperiais enfileiradas duas a duas permitindo o caminho de vista suntuosa que se projetava da linha férrea até o imponente casarão da Fazenda São Bernardino, uma obra prima da arquitetura do século XIX, ainda inteiro, antes do incêndio criminoso que anos depois destruiu 95% de sua edificação. Mais a frente o canal Iguaçu, que um dia foi rio e, também, a primeira estrada da Baixada, perdendo o ‘status’ de rio e seus meandros para um leito, agora, constituído por linhas semi-retas, como solução para exterminar as pestes que assolaram a região no final do século XIX. Próximo, os postes do telegrafo davam a falsa impressão que eram eles, e, não o trem, que estava em movimento. Ao longe muitas cabeças de gado, toscas moradas, córregos, hortas, pomares. Bem mais ao fundo os matizes dos verdes da serrania se sucediam, do mais claro ao mais escuro, até morrer, bruscamente, nas linhas sinuosas que o separavam do azul claro do céu, tingido em alguns pontos por umas poucas nuvens esbranquiçadas e que juntos ao amarelo ouro do sol a pino, lembravam a bandeira do Brasil. Tudo por ali, era esplendido e, dizia da Pátria amada!
Um Mergulho no Rio Tinguá
 Ao chegamos ao destino, de tanta alegria, mal sabíamos para onde correr. Logo apareceu uma bola e armamos uma “linha de passes” ali mesmo na pracinha ao lado da Estação, sob os olhares desaprovadores dos moradores locais, até nos lembrarmos que as águas límpidas e geladas do Rio Tinguá nos aguardavam e, saímos em correria, para o sempre apoteótico e acrobático mergulho inicial.

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