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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Passeio na Maria Fumaça



Por: Wandemberg
Passeio na Maria Fumaça
De certa feita, nos idos de nossa adolescência, aguardávamos na estação de Miguel Couto, ‘felizes da vida’, a chegada da ‘Maria Fumaça’, quando um apito continuado atiçou nossa impaciência. Já dava pra ver no céu das ‘bandas’ de Itaipu (uma estação antes), o rastro de fumaça negra, expelido pela chaminé da máquina vir em nossa direção. Poucos minutos depois a composição atravessava chiando e esfumaçando, qual “chaleira destrambelhada”, o “mataburro” da estação, tendo a conduzi-la o sorridente Silvio Maquinista. Já contei aqui uma história fantástica sobre o saudoso Silvio, com o título  – O trem Fujão -, quando seu trem, que se encontrava em manutenção, saiu de Cava, sem maquinista à bordo, em direção á Tinguá. Nosso herói, simplesmente, saiu correndo atrás até alcançá-lo numa ladeira próximo a Fazenda São Bernardino. Um dia desses, conto outra vez. 

O trem era um de nossos brinquedos favoritos além da bola de futebol, dos rios, dos laranjais, caça às rãs... Era uma alegria quando a ‘molecada’, principalmente no verão, ia passear em Tinguá, Jaceruba ou Rio D’Ouro. Como sempre acontecia não sabíamos ao certo para qual das três localidades iríamos, tampouco queríamos saber. Quando chegássemos a Cava o trem ou seguiria em linha reta com destino para Rio D'ouro ou Jaceruba, ou tomava a bifurcação rumo a Tinguá.

No interior do vagão a competição dos vendedores ambulantes bombardeava nossa audição com suas ‘chamadas’ ao tempo que aguçava, cada vez mais, nosso apetite voraz de adolescente: “Olha, o bolinho de aipim!” / “...amendoim torradinho!” / “...bala de coco, quem vai querer?” / “Olha o pirulito de mel!”, / “...pastel quentinho, vai ...?”(...).

Na estação de Vila de Cava, uma Folia de Reis, inteira, entrou no vagão que antecedia ao que nos encontrávamos. Daí em diante o barulho da tagarelice dos ambulantes passou a sofrer a concorrência dos foliões, com: a cantoria, o doce som da sanfona de oito baixos, o acorde de uma viola, o tilintar do cilindro, a zoada do bumbo e os versos rimados do palhaço. O trem apitou, saiu e, logo, bifurcou para a direita. Agora sim, finalmente, estávamos certos que o destino era Tinguá.

Tendo a janela como moldura, admirávamos o cenário bucólico, porém deslumbrante. Não demorou muito e tivemos um encontro histórico com as imagens magníficas vertidas pelas Palmeiras Imperiais enfileiradas duas a duas tendo ao fundo o imponente Casarão de São Bernardino, ainda inteiro, antes do incêndio criminoso que anos depois destruiu 95% de sua edificação. Mais à frente o canal Iguaçu, que um dia foi rio e, também, a primeira estrada da Baixada, perdendo o ‘status’ de rio e seus meandros para um leito, agora, constituído por linhas retas, como solução para exterminar as pestes que assolaram a região no final do século XIX. Próximo, os postes do telegrafo davam a falsa impressão que eram eles, e, não o trem, que estava em movimento. Ao longe muitas cabeças de gado, toscas moradas, córregos, hortas, pomares. Bem mais ao fundo os matizes dos verdes da serrania se sucediam, do mais claro ao mais escuro, até morrer, bruscamente, nas linhas sinuosas que o separavam do azul claro do céu, tingido em alguns pontos por umas poucas nuvens esbranquiçadas e que juntos ao amarelo ouro do sol a pino, lembravam a bandeira do Brasil. Tudo por ali, era esplendido e, dizia da Pátria Amada 

Ao chegamos ao destino, de tanta alegria, mal sabíamos para onde correr. Logo apareceu uma bola e armamos uma “linha de passes” ali mesmo na pracinha ao lado da Estação, sob os olhares desaprovadores dos moradores locais, até nos lembrarmos que as águas límpidas e geladas do Rio Tinguá nos aguardavam e, saímos em correria, para o sempre apoteótico e acrobático mergulho inicial.

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